A oposição não se conforma, mas não
pode fazer nada: o Flamengo é um caso de amor entre milhões e o Brasil.
Um dia, quando se mergulhar de verdade nos fatores que, historicamente,
ajudaram a consolidar a integração nacional, o Flamengo terá de ser
incluído. Durante todo o século XX, ele uniu gerações, raças e sotaques
em torno de sua bandeira. Ao inspirar um rubro-negro do Guaporé a reagir
como um rubro-negro do Leblon (com os mesmo gestos e expletivos, e no
mesmo instante), o Flamengo ajudou a fazer do Brasil uma nação.
Mas
o Flamengo não é uma abstração histórica. É um complexo de carne,
ossos, tendões, músculos. Quando se fala nele, vêm à mente os heróis
que, no decorrer das décadas, têm vestido sua camisa e formado times de
sonho. Homens como Abelha; Bigu, Onça, Ronaldão e Tinteiro; Manteiga e
Dendê; Sapatão, Foguete, Bujica e Beijoca. Epa! Desculpe, peguei a lista
errada! Esse é o time do pesadelo. A lista certa é: Raul; Leandro,
Domingos da Guia, Reyes e Júnior; Carlinhos e Zizinho; Joel, Leônidas da
Silva, Zico e Dida.
Falando
sério, poucas instituições serão tão abrangentemente nacionais quanto o
Flamengo - a Igreja Católica, sem dúvida, é uma delas, e, talvez, o
Jogo do Bicho. E olhe que o Flamengo não promete a vida eterna nem o
enriquecimento fácil. Ao contrário, às vezes mata de enfarte e, quase
sempre, só dá despesa. Mas uma coisa ele tem em comum com a religião e o
bicho: a fé. Esta é a matéria-prima de que as três instituições se
alimentam. Mas com vantagem para o Flamengo, porque a igreja só paga
dividendos depois da morte e o bicho tanto pode dar quanto não dar - já o
Flamengo costuma pagar seus dividendos espirituais toda quarta e
domingo. Em termos de alcance dos agentes dessa fé, então, não há
comparação possível: o padre e o bicheiro são personagens locais, ao
passo que os jogadores do Flamengo, via rádio ou TV, cobrem todo o
território e são heróis (ou vilões) nacionais.
Daí
ele ser onipresente. O Rio foi seu berço, mas sua casa é o Brasil. Sua
camisa vermelha e preta viaja de canoa pelos igarapés; galopa pelas
coxilhas; caminha pelos sertões; colore todas as praias; está nos
barracos das favelas e nas coberturas tríplex. Suas cores vestem famosos
e anônimos, bandidos e vítimas, corruptos e honestos, pobres e
grã-finos, idosos e crianças, os muito feios e as muito bonitas. De
repente, materializam-se nos lugares mais inesperados: já estiveram nas
mãos de Frank Sinatra, no papamóvel de João Paulo II, nos peitos de
Madonna.
Mas,
principalmente, tomam os estádios, em tantas tardes e noites quantas o
Flamengo entrar em campo, não importa onde. Donde talvez não seja
cientificamente exata a frase que, de tão usada, logo se tornaria
clichê: a de que "o Flamengo é uma nação" - frase criada pelo deputado
federal cearense Walter Bezerra de Sá há mais de trinta anos. Mais
exato, talvez, seria dizer que, ao contrário, a nação é que é Flamengo.
Segundo pesquisas veiculadas por órgão insuspeitos, o Flamengo é o clube
de maior torcida do Brasil por qualquer categoria que se queira
estudar. Você escolhe: região, sexo, faixa de idade, nível de renda, cor
da pele, plumagem política, grau de escolaridade, QI ou quantidade de
dentes - é maioria entre os desdentados e os que nunca tiveram uma
cárie. Sua presença no Rio é esmagadora: 42% dos cariocas são Flamengo. O
restante se divide entre os que se repartem pelos outros clubes e os
que, por esnobismo ou enmui, não se interessam por futebol.
Mas
sua torcida não se espreme entre a montanha e o mar. Ao transbordar
para todos os estados do Brasil, muitas vezes supera a dos próprios
times locais. No norte e no nordeste, é esmagadora. Em Brasília, é,
proporcionalmente, maior até do que no Rio. Em SP, é mais numerosa do
que a da tradicional Portuguesa. É forte até mesmo no sul, onde os times
de fora não costumam ter vez. E existem quase cem clubes, profissionais
ou amadores, de todos os estados do Brasil, chamados Flamengo.
Bolas,
por que não dizer logo? É, disparado, a maior torcida de futebol do
mundo. Quando se pensa que, na Espanha, o clube mais popular é o
riquíssimo, sério e bem administrado Barcelona, tem-se vontade de
chorar. A torcida do Flamengo não é apenas maior que a do Barcelona - é
quase igual a toda a população da Espanha! E só por isso deveria ser
sagrada para os indivíduos que uma minoria transforma em presidentes do
clube.